segunda-feira, 19 de julho de 2010

Da Ótica das Coisas - Chapter Three




-- Hum, tu tens visto como tá agitado do meu lado direito aqui, uns metros pra lá hoje ?

-- Sim, tem um tempo já, tu não tinhas visto?

--Sei lá, tava mais ocupado olhando o mar.

--Ah. Bom, mas tem um tempão, eu ate que não to muito preocupado porque ta longe, ainda ta começando e vai ser bem grande, acho até que o azulzinho do lado ali vai cair fora.

--Bah. É verdade, eu me lembro quando começaram aquele, a gente era novo, lembra?

--Arrã.

--Pena né, achava bonitinho.Achava legal aquela antenona laranja que tem em cima.

--É, mas no fim das contas, do jeito que vai, grande parte vai se danar.Porque todo dias o nível sobe e agora deram pra fazer uns bem pertinho.

--Tu sabes que esses dias eu tive alguma coisa tipo labirintite?Parecia que tava tremendo, e um barulho de alguma coisa assobiando.

--Não foi no dia que deu um ventão? Eu tô ligado no que tu sentiu, esses dias também me deu, acho que foi um dia a noite, mas não tanto de me incomodar.

--Pois então, tinham que dar um jeito de parar com essa função toda, a gente que ta aqui há mais tempo , tinham que explicar pra eles que assim vai ceder, e ai pronto, com o nível cada dia mais alto, vai acabar invadindo mesmo.Aí eu quero ver, carrões desfilando.Hum, quero mesmo.Esse carrões que ficam ali na beirada andando o dia todo, eu queria ver.

--Sem contar que eu fico com as paredes todas cinzas e cheias dessa fuligem de carro e moto, e só me lavam uma vez por ano, e no inverno ainda, é pra morrer de frio mesmo...Se bem que numa dessas era melhor a sujeira porque assim, começa a enfeiar tudo e quem sabe vão embora pra outro lugar.

--Mas tchê, não adianta.Acho que vai continuar porque ganha dinheiro com mexe com isso, lembra daquele pingente enorme que a gente tinha quando estavam nos fazendo? Incorporadora e construtora é o nome que tinha escrito, mas as vezes nem é daqui, isso que eu não entendo.Vendem os quadrados de terra, e daí estragam tudo bem aqui próximo do mar. Mas eu sei que nas salas todo dia passa na teve que uns outros caras ficam avisando e dizendo que tem que parar de tirar o verde, parar de tomar conta da borda, e não adianta parece.

--Eu ouvi num quarto do 3° andar esses dias pela manhã que todo dia derrubam uma parte da floresta pra colocar concreto aqui na cidade, e outra que dizem que uma tal Amazonia todo dia morre um pouco, coitada, acho que está em coma...É bonito lá um dia eu vi na sala de Tv do 401, tem bastante arvore e nenhum que tem eu e tu.Pena né também, podia ter um condomínio que fosse, eu ia querer ser lá.

--É, mas tem muito inseto, não gosto, sou metade de vidro.

--É verdade, mas o lugar é bonito, uma pena que ta enchendo de condomínios em outros lugares e enchendo de gente e de carro, e cada dia mais perto e cada dia ou chove mais ou chove menos, tu lembra aquele teu primo famosão de Nova Iorque que bateram nele ate o fim?

--Sim, sim, eu tive um sobrinho lá que mora na Europa também aconteceu a mesma coisa.

--É, eles mesmo fazem, ai os outros querem estragar porque eles brigam o tempo todo por terra e dinheiro, e ai quando conseguem, constroem, vendem e vão embora.E cada dia mais perto da beira.E nem aqueles coqueirinhos que tinha ali do lado esquerdo lá embaixo tem mais, agora é de estacionar carro.O pior disso tudo é que quem fica mais e mais sem ter onde segurar é a gente.

--Bom, que que vai se fazer, a gente uma hora também vai pro espaço porque nos fizeram uns poucos metros pra cá, e uma hora esse nível sobe mesmo e eu quero ver e eu odeio molhar os pés. Mas, pelo menos a gente se deu conta né? A gente viu que tem demais e pra todo lado e até o morro vai cair uma hora, não vai agüentar, e pensar que antes de eu ser feito aqui, era diferente, imagina. Mas tudo bem, vamos indo, vou dormir que acabou o Jô no 115.Boa noite, tomara que nenhum idiota hoje deixe o alarme do carro ligado metade da madrugada lá embaixo.

--Boa noite, vou tentar dormir e pensar no que vai ser com o tempo...Ah, se os prédios falassem...

Da Ótica das Coisas - Chapter Two









--Hum, tá fazendo o que aí?

--Tava pensando como que vai ser agora, tu sabe que eu gosto de morar perto do rio né?

--Sim, sim, meu irmão também tem uma casa lá, de frente pra cachoeira aquela logo ali abaixo ó.

--Huuum, um que tem um telhado todo enfeitadinho, a esquerda de umas arvores diferentes e altonas?

--Esse mesmo, ele é mais velho, foi construindo a casa dele aos poucos enquanto morava mais pra dentro da floresta, e agora ta ali já tem uns anos, ele só disse que é ruim no verão por causa dos mosquitos, mas afora isso, a vista é linda e tem água e comida perto né. Ele aprendeu a comer ervas e tal.

--Entendi. Seu irmão é doido.

--Até que parece, no entanto, ele é que diz que era tudo lindo por aqui sabe? Diz que era so conhecer lugares, ver coisas bacanas e claro, construir uma casa e depois até uma família e enfim. Só que no fim das contas ele reclama que é perigoso hoje em dia. Tem bala perdida e até balas “achadas”, sei lá, diz ele que é da nossa raça.

--É, nesse caso concordo contigo mesmo.

--Mas enfim, tu sabe que esses dias eu tava almoçando ali pela região do porto e tinha um rádio ligado e dizia que diminuíram a distancia mínima de preservação nas margens do rios.

--Hmmm, é foda hein?

--Arram. A situação não ta muito pro nosso lado. Porque sair de casa e não saber se ela vai estar lá quando a gente volta, é um saco. Quando não tentam nos pegar também, né; acho que vou me mudar pra uma reserva florestal, se ainda houverem algumas seguras.

--Pois eu também vou então. Gostei da idéia, se ela for bem cuidada mesmo, dá pra construir um chalé no meio do mato e só aproveitar e cuidar por ali mesmo.Sou bem parceiro da idéia.

--Podecre, vamos fundar uma republica de pássaros de saco cheio dessa porra de invasão no meio de uma reserva protegida, se ainda houver uma.Vamos...

Voam...

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Da Ótica das Coisas - Chapter One






--Ei!!Cuidado onde joga isso!Essa merda queima, tu também sabes. E outra que depois fica por ai atirada, é um nojo mesmo, eu to aqui há muito tempo e agora que ta pior, imagina no carnaval.

--É eu to indignada mesmo, tempos atrás a gente podia pegar carona com o vento e ir pra lá e pra cá e conhecer uns lugares, salvar umas arvores de cair no barranco, essas coisas , era bem mais emocionantes.Agora não dá mais pra sair daqui, tem um muro lá e desse outro lado um monte de concreto, e aqueles 3 umbus mais pra lá que seguravam a gente nos dias de vento vocês já cortaram também.Pô, além de passar o dia pisando em cima, ainda ficam jogando coisas e até coisas acesas em qualquer lugar.Sem falar do gosto da água, é sim, eu fico perto da água e eu sei do que eu estou falando, ela tá com outro gosto, e também outras coisas perderam o gosto, quero dizer que agora ta muito monótono viver aqui, desde que começaram a construir e caminhar por aqui. Ah, e tem a estúpida idéia do trator com uns ferros atrás pra emparelhar aqui em cima, olha como estou bronzeada!Droga, e eu passava as tardes conversando com as gaivotas no canto da praia.Nem sei pra onde elas foram, tiveram que viajar as pressas, ir visitar um parente que havia caído num óleo, alguma coisa assim, não sei bem.Perdeu o gosto ver o nascer e o por do sol, quer dizer, não perdeu, mas não é a mesma coisa, tempo atrás, era só a gente e o Sol e o mar, agora não bastassem esses carros, ainda tem um monte de gente pisoteando e circulando e jogando coisas. Não é que me importe que caminhem, mas tem que cuidar pra não construir demais ou ficar passando com o carro, vários aqui já foram nas rodas dos carros e varridos por ai.Acho que deviam colocar tudo no lugar de novo, porque assim é que a gente estava aqui há um tempão e tava tudo certo, não tinha perigo de cair, de ser levado, de se afogar, nem nada, e nem tinha uns imbecis com o som do carro ligado a todo volume em cima da gente as 3 da manhã. Por isso o nascer do Sol ta diferente. Claro que tem dias que tem um luau aqui também, esses eu gosto, porque no fundo esse negocio todo é bonito, só não gosto é de carro, desses que pingam óleo também e dos que abusam do sossego da gente. Olha, tem umas amigas minhas que moram num outro lugar mais ao norte que não passam por isso, “ainda, ainda”, elas dizem, porque parece que venderam lá pra construir um hotel, uns tolos porque dá muito bem pra fazer alguma coisa mais longinho e quem estiver por lá caminha um pouquinho que é bom pra saúde e a gente ate gosta. Gosta quando passam os casais, de mãos, também como irmãos, assim como a gente fica todo dia, próximo, as vezes o vento nos leva aqui ou ali, e sempre estamos perto.Era bacana um tempo atrás, uns anos antes de erguerem o shopping, que as crianças jogavam e corriam a tarde toda, e eu nem me importava com a algazarra porque eu me divertia também, ia com elas pra lá e pra cá, depois eu me despedia ali perto de onde começa a cidade e voltava pra ver o por do Sol.Mas é isso né, vou aproveitar que começou a chover e descer um pouco mais pra perto da água porque hoje é dia de jogo e vem todo mundo pra cá se o Brasil ganhar, vai ser uma festa, tomara que não joguem bitucas e copos plásticos pra todo lado, depois fica tudo espalhado e eu nem consigo dormir com essa sujeira toda.Aliás detesto!!Hunf!Eu detesto ser areia de praia!

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