terça-feira, 23 de março de 2010

A Singeleza das Coisas (Chapter One)


Me dá vontade de chorar:
*Quando tento levantar da cama sem mexer as pernas e apenas com um braço, e as vezes, sem tanta força assim, caio de volta no travesseiro, vencido pela dor ou pela inércia dos musculos.E algumas vezes, quando consigo na primeira vez ficar sentado na cama, fico tonto e com vontade de desmaiar, o mundo gira.
Frágil somos nós.
**Quando no percurso entre o quarto e a varanda levo uma eternidade, me arrastando entre o corredor, muletando pela sala, descendo o degrau da cozinha meticulosamente, suspendendo a perna ferida, a uma altura segura para não bater no degrau, quando há 17 dias atrás levava uns 15 segundos fazendo esse percurso.
**Eu morro de raiva quando quero me cobrir com o edredon e não consigo, porque com uma mão só é bem mais dificil, enfim a vida de uma pessoa com limitações motoras é muito mais dificil.
***Ódio mesmo, é tentar entrar no carro, é uma acrobacia sem fim, uma perna não mexe, o braço do mesmo lado imobilizado, se dobrar a perna dói, não pode bater, haja perna e braço direito pra aguentar essa função.
****É triste, definitivamente muito ruim, ficar assim, e lamento por mim, embora saiba que seja temporário, saiba que daqui uns dias estarei caminhando e fazendo praticamente tudo que fazia dias atrás.Futebol, bicicleta, academia, não sei quando será possivel, me darei por satisfeito provisoriamente quando puder simplesmente caminhar com cada pé sincronizadamente, um atrás do outro.Mancando que seja, mas me darei por satisfeito.
*****A lesão é simples, faltou musculo.Simples assim, onde existia musculatura, ficou um buraco, por isso a demora da recuperação e a ingrata dor ao suspender ou movimentar a coxa, os tecidos terão de se recompor, e isso, se levar em conta o tamanho do buraco, este que acondicionaria a base de um copo de uisque, bom, vai demorar um pouco ainda.
Aí, fico pensando, em como não damos a devida atenção a singeleza de nossos movimentos.É, isso mesmo, a gente acorda, respira, caminha,trabalha, se diverte, namora, briga, bebe, xinga, trabalha, respira, almoça, janta, vai ao banheiro, pega onibus, anda de moto, sai de bicicleta, dirige carro, mastiga, digita, sobe escadas, carrega sacolas do mercado, vai na esquina comprar cassetinho, comparece a casamentos, vai votar, caminha pelo shopping, chuta latinha vazia na rua, levanta a tampa da lixeira, folheia jornais, respira, mastiga, repete isso todos os dias, e até então, não tinha me dado conta de que também na singeleza, está a essência do existir.Sim, porque desculpem-me, fisiologicamente somos agua e tecido.Nada além.E o fato não precisarmos de bateria para funcionar já é algo digno de ser glorificado, independentemente de religião, devemos glorificar e agradecer por tal façanha.
Porque nesses dias eu ando pensando, ou melhor, me arrasto pensando: tem gente que troca objetos inanimados por pessoas, quero dizer, preferem objetos a bateria, pilha, combustivel de qualquer natureza ou simplesmente objetos, concretos, ceramicos, pétreos, vítreos, enfim, e isso, essa forma de "viajar" eu deixo a cargo de vocês, imaginem, imaginem, imaginem, quantas vezes pessoas são cambiadas por objetos, não importa o valor, jamais alguma coisa, objeto, item se equiparárá a um ser humano.
É bonito isso não é?!Pensa, somos um corpo,sangue e ossos do ponto de vista de um bombeiro que chega num local de acidente, mas esse mesmo bombeiro que corta suas roupas, briga com o transeunte que retirou seu capacete sem o colar cervical, é o cara que te trata da melhor e mais rápida maneira possivel, até te encaminhar para o hospital.Nobre muito nobre, a profissão de Bombeiros, porque é limite, o tempo é o limite e ele já estourou ali ó, quando você caiu.
E francamente, que forma estupida de morrer é o tal do acidente de transito.Definitivamente, é a forma mais grosseira de abreviar as coisas, simplesmente, porque quando você sai do Ponto A e pretende chegar no P, muito provavelmente tem um porquê, seja ver sua amada ou continuar enchendo a cara na casa do Betão que tá fazendo uma costela assada que é anormal de tão boa e a Skol tá gelada.Seja pra chegar em casa com chuva, dar um beijo na Sofia e abraçar a Carolina, enquanto a Andréia sai do banho com aquela camisola que você adora...vai ser boa a noite (Sofia e Carolina são as tuas filhas),OU, pense, podes estar saindo de casa indo trabalhar, dia de reunião importante, o supervisor regional está vindo e você está de olho naquela promoção, OU, simplesmente está indo buscar frutas, verduras e uns atuns enlatados no mercado...E de repente...acabou ali.Huuuuuuuum, já pensou?
A amada vai ficar ligando e com sorte, um bombeiro vai atender, a Sofia vai continuar assistindo a Era do Gelo 3, a Carol, tadinha, continuará montando aquele trabalhinho da 3ª série e a Andréia vai usar pela ultima vez aquela camisola.Aquela promoção vai para aquele seu colega mala sem alça que nem atingiu a meta do mês, mas é chegado do supervisor nacional. A costela do Betão será comida da mesma forma e a Skol vai acabar um dia, mas a Imbev fará outras 2000.000 de unidades e o presidente do Brasil não lembrará de ligar para sua familia no sétimo dia da sua partida, e  portanto, não se preocupe, não corra...e não beba se for dirigir.Mas vem cá, eu to falando sério, não beba a porcaria da cerveja se for dirigir, uisque e outras coisas então, nem pensar.Tô falando de destilados, porque nem me animo a escrever sobre drogas sintéticas ou quimicas aqui, usar essas coisas é o mesmo que usar crachá de otário.
Repito, se cuida.Porque tem um monte de gente que gosta de você...e não vai ser legal deixar esse tanto de coisa por fazer...não mesmo...









Um comentário:

Aimée Souto. disse...

eu não vou comentar nada a respeito do crachá de otário.
mas admiro o que tu disse, quando falou da família.
quando saímos do ponto a e vamos para um ponto b, independente do que seja. independente de onde seja. existem pessoas que nos amam, que são as pessoas que provavelmente vão ter que reconhecer o nosso corpo se algo acontecer e que provavelmente não ganharão nada com isso além de dor, principalmente se souberem que a gente bebeu alguma coisa.
quando uma segunda chance é dada, em um acidente, um incêndio, uma bala perdida, um atropelamento. é a vida dizendo que a gente tem algo pra fazer, é alguma coisa, em algum lugar, acredite no que quiser, ou é apenas o nosso corpo lutando mais do que o normal, pra continuar aqui, pra ver a nossa família, o nosso amor, pra ir pro nosso emprego chato.
o fato é que desistir de viver é ridículo. beber e dirigir é a mesma coisa que ver um incêndio e entrar nele sem uma causa nobre.
leia-se por causa nobre: salvar pessoas.
adorei o texto.
e quanto aos teus movimentos: é quando a gente não pode, que a gente dá valor.
infelizmente o ser humano só dá valor quando perde.
o bom é que tu perdeu temporariamente!
um beijo!

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