terça-feira, 22 de setembro de 2015

Milonga Abaixo de Mau Tempo - Interpretada

Comum falarmos sobre chegar aos trinta, quarenta, cinquenta e etc. Sei que nos últimos dias eu tenho parado a pensar acerca das raízes, caramba se faz trinta e o que se fez? Bom a todos que fazem, inércia não resolve muita coisa no final das contas. Inércia em diversos sentidos. Mas bom que nós fizemos. Aí nessas de fazer algumas retrospectivas me animei ao lembrar trechos remotos do que vivemos por lá. Foi uma experiência louquíssima mas valeu a pena. Hehehe.
Aí na sequencia eu interpretei a música mais fantástica do cenário tradicionalista gaúcho a meu ver.
C F
Coisa esquisita a gadaria toda – Sim, porque quem convive com gado saca quando alguma coisa não vai bem, para begginers digamos que quando se passa na estrada com temporal se armando e estão todos de bunda pro mesmo lado e/ou perto de uma árvore (as reses) eles estão acabrunhados.
F#º C
Penando a dor do mango com o focinho n'água
Me parece que o camarada está dando umas relhadas no povo todo (o gado) pra que atravessem alguma sanga ou arroio muito foda, com correnteza e tal. E se sabe que o bicho está sofrendo, seja por orgulho ou limite de forças, mas sofre, quando se convive com marcação e afins se vê, sofre. É a lida, não há o que se fazer.
F
O campo alagado nos obriga à reza
Quem já atravessou um banhado com boi na corda ou com meia dúzia de bois atucanadíssimos com o atoleiro sabe que é um saco, o cavalo se desgasta, os bois se desgastam, é muito sofrimento arriscando matar algum animal, justíssimo antes de se enfiar numa resteva de arroz inundada pedir apoio.
G7 C
No ofício de quem leva pra enlutar as mágoas
Tu imagina ser tropeiro há anos atrás e ainda ter o brilhantismo para escrever uma música como essa. Muito ninja, fantástico, confesso que não busquei saber se o compositor era de fato, mas não importa, a sensibilidade de compreender já lhe basta.
F
Olhar triste do gado atravessando o rio
Lógico que é triste, tá todo mundo cansado, já perderam companheiros provavelmente, quem já carneou boi pendurado em cinamomo beirando cerca de potreiro sabe que eles (os bovinos) ficam sim magoados e choram o sangue derramado. Sem muita dolor porque há casos que um bom exemplo é merecido, o tal pendurado no cinamomo era um gigante nelore pulador de cerca e destruidor de lavouras.
F#º C
A baba dos cansados afogando a volta
Vi dois casos de babas de fazer fio e gosmelar o laço por extremismos, ou de animal alçado que não aceita corda ou de mães.
F
A manha de quem berra no capão do mato
Essa frase tem que ler umas três vezes, mas no resumo tem umas reses que vão se desgarrando ou nem chegaram a se juntar que ficam reclamando nos capões, tipo uns aglomerados de arvores pequenos, mas que próximos formam um matão.
G7 C G/B
E o brabo de quem cerca repontando a tropa
Cara, que nem quando um amigo chega pra ti e fala: “dae vamos tomar uma cerveja, jogar um poker? E tu responde “bah, o brabo é que amanhã tenho que acordar cedo e tal”. Cara, imagina o cara cansado, com o amigo dele (o cavalo e os humanos) podres de cansado, deixando vaca atolada pra trás, bah. É brabo.
Am Em
(Agarra amigo o laço enquanto o boi tá vivo
Quem já viu taipa estourando e sanga cheia sabe que ou agarra amigo o laço ou já era, se perde no meio dos taquaruçu ou ponta-de-lanças. Correnteza não tem jeito.
F
A enchente anda danada molestando o pasto
Ainda bem que não presenciei de perto um enchente a ponto de molestar tanto pasto quanto lá havia, mas seca sim, molesta o mesmo tanto, e o capim fica amarelo e os açudes viram uma gosma esverdeada e embarrada e o viço do pelo dos bichos vai embora. O gaúcho da música sabe demais das coisas.
F#º G7
A passo que descampa a pampa dos mil réis
Realmente não entendi o pleno sentido, mas acho eu que descampa enquanto a pampa dos mil réis ou seja ainda falta uma caralhaaada de distância pra tipo gastar mais de mil reais de gasolina se fosse de Massey Ferguson das antigas, com reboque.
Am Em
E a bóia que se come retrucando o tempo
Outra frase que me parece confusa, mas entendi que enquanto se faz um rango não sei se embaixo de um eucalipto ou figueira com o gado repontado ao redor, pensei num carreteiro rápido e ruim. Ou mesmo andando e repartindo um queijo e uma linguiça faca desses de armazém de encruzilhada nas estradas meio fazendas meio municipais.
F
Aparta no rodeio a solidão local
O lance é que aparta, separa do rodeio (rodeio de reponte no meu tempo era passar dias envolvido com tropeada ou manejo) ou seja, eu entendi que aproxima a galera, fazer essa boquinha andando a passito ou melhor ainda, ao refúgio duma bela copa de figueira. Entretanto realmente não garanto certeza na interpretação.
F#º G7
Pealando mal e mal o que a razão quiser
Contemporizando pealando, tipo chutar um toco? Imagina te amarrar uma perna e mandar correr? Um pealo, um clássico. Ou seja, muito a contra-gosto (correndo com a perna amarrada) tu ainda dá conta de que precisa chegar...
C Em7
Amada me deu saudade
E quem nunca sentiu saudade da amada. E nem só a amada, mas do cheiro do rancho e das coisas como elas vinham sendo antes da partida essa para o tal reponte desse gado pé frio que nunca para de chover.
F
Me fala que a égua tá prenha que o porco tá gordo (2x)
Se eu tivesse uma égua queria que estivesse prenha, quem mora e vive anos com cavalos e os usa pras lides do campo preza a boa linhagem, até o gênio dos cavalos tem hereditariedade.
F#º G7
Que o baio anda solto que toda cuscada lá em casa comeu)
Evidentemente, que o baio está tranquilão (provavelmente é o pai), gordo, escovado, com os cascos cortados e cocheira limpa. O baio é tipo um cavalo bege, meu pai falava de um baio cabos negros, que dizia que tinha as patas pretas. Mas nem só o baio, os cachorros também comeram, a mistura de polenta com pés de galinha ou só a polenta ou carniça e estão fedidos, ou não, mas comeram.
Intro: C Em F G7
C F
Coisa mais sem sorte esta peste medonha
Claramente ele quer dizer, em termos atuais e não tão gauchescos: “mas tchê, não para de chover nunca nessa merda!”
F#º C
Curando os mais bichados deu febre no gado
Bicheira é uma coisa nojenta demais, e começa com uma larva sacana se espalha e se demorar a ver ou o bicho é alçado e não deixa chegar, vão esmilinguindo aos poucos. Mas o fato é que na frase me parece que não bastasse haver bichados, outros estavam febris, não devia ser aftosa senão seria um “gadocídio”, mas sei lá uma febre normal de quem passa muito tempo na chuva.
F
Não fosse a chuvarada se metendo a besta
Aí sim a reclamação escancarada no bom português, até essa mesmo pessoas próximas pronunciam mas se ficar difícil contextualizar seria algo como: “puta merda se não tivesse ipva esse mês (ipva no caso a chuva na frase) eu até que conseguiria comprar um takamine).
G7 C
Traria mil cabeças com a bênção do pago
Nesse ponto dá pra entender a revolta do cara e a mágoa ao mesmo tempo...são mil cabeças de gado, cara, eu nunca vi mais que umas 230 numa mangueira e dois potreiros pequenos. Imagina 1000. Quatro mil, se contar pelas patas. É muito gado pra perder um quarto pra uma enchente.
F
Dei falta da santinha limpando os pesuelos
Eu não sei o que são pesuelos, mas ele devia estar ajeitando alguma coisa, que nem nós motociclistas reparam nas motos em intervalos de viagem e dão falta de uma porquinha no cabo de freio traseiro. Mas é uma santa, não uma porca e tem muito mais valor sentimental do que prático nesse caso, deve ter ficado muito chateado e achando que era um mau presságio. Ah já li, pesuelos são alforges, mas ficou boa a curva na estória.
F#º C
E do terço de tento nas prece sinuelas
Além de chuva, vaca atolada e o povo todo cansado o camarada ainda perdeu metade dos pertences na viagem. Apesar de nunca ter sido apegado a imagens, imagino que para o bom gaúcho que viveu em épocas passadas nos tempos um tanto difíceis, um sincero apego religioso de qualquer espécie era uma ancora durante as intempéries da vida no campo.
F
Logo em seguidinha é semana santa
Sabe lá de qual querência ele vinha tropeando essas reses, mas se orientou por semanas ao que parece, é sofrimento e amor a vida como ela vinha sendo pra mais de metro. Orientando-se por semanas santas ou não, seguramente hás dias viajava muuuito afim de chegar em casa e soltar o matungo no pomar onde tem uma grama viçosa e dois umbus.
G7 C
Vou cego pra barranca e só depois vou vê-la
Se a barranca era a ultima taipa arrebentada pra galera atravessar ou sei lá o que, o fato é que a saudade do pago, da casa, do açoita-cavalo em frente a varanda e da fuça gelada da cachorrada que ficou estava por terminar. Afrouxar os arreios do camaradíssimo que te acompanhou na jornada impassível, enquanto se sente aquela sensação de que se chegou e tudo está bem é bom. Muito bom diga-se de passagem. E é por isso que num momento nostálgico belas canções se escrevem mientras outros não tão brilhantes a interpretam de maneira frugal.

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