sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Zé Otávio e Jaqueline (A Praia do Gi)

Shhhh'N




--Bah, mas que beleza!!!
--Gostou mesmo?Então põe...
--Mas tirar o que tu acabou de botar?
--Arram...pode por...eu gosto.
--Beleza então...
Ele de joelhos sobre uma almofada redonda azul de veludo surrado, ela atirada de pernas pro lado numa poltrona com pés Luis XV e estofamento capitonê de napa marrom.Silêncio.
Sons no fundo, bateria,guitarra ratátá e então Eddie :"Freezin', rests his head on a pillow made of concrete, again..."
--É a melhor música do Pearl Jam!-
--É, adoro esse cd, pode deixar aí...
--Arram.
--Vem cá, deita aqui, deixa eu te fazer um cafuné...
--Arram.

Cai a noite, Vedder descansa quietinho na gaveta e dormem ambos no carpete da sala de teve-cozinha-closed.Felizes.Ou pelo menos contentes.
O gosto pela musica definitivamente tinha feito toda a diferença para o bom funcionamento da relação de Zé Otavio e Jaqueline.Não bastassem as diferenças de perfil, moravam longe um do outro.Jaqueline morava em Osório com os pais e o irmão, num bairro longe da rodoviaria, como se nao bastasse.Isso pro caso do Zé querer fazer uma surpresa, já deveria contar com o gasto de taxi.De toda forma, era mais facil Jaqueline ir para Taquara.
Formavam um casal simpatico, estavam juntos havia mais de 6 meses, se chamavam por apelidinhos carinhosos, mas nunca mantiveram um só, sempre um misto de criatividade:"tuxo e tuxa", "dengo e denguinho","coração e benzinho", essas coisas todas...
Com o tempo foram ficando mais proximos por conta das indiadas em que se metiam, e não foram poucas.Quando o Zé Otávio tatuou uma caloi 10 na canela porque tinha vendido a dele para ir pra praia trabalhar numa pizzaria com mais dois amigos, a Jaque foi contra.Contra a venda da Caloi 10 e contra a ida dele com mais dois, imagina,2, amigos pra praia.Não teve jeito, nem os pais dela conseguiram convencer do contrario, acabou indo junto pra Praia do Gi.
Embarcaram todos os 4 no carro de um dos amigos e foram pela Free-Way escutando em k-7 uma coletanea de James Brow.Jaqueline foi na frente, ficava enjoada de andar atrás
--Ainda mais essa merda rebaixada pô.--Reclamava com a cabeça na ventarola.
O amigo motorista era Allan, embora ninguem o chamasse assim, nem o pai.
--Órso, muitcho prazer(z com com de c)--dizia ele num castelhano irremediavel, trazido de Cordoba.Urso era o mais católico da turma, ligava pra mãe e fazia o sinal da cruz em frente a cemiterios.Sujeito calmo, sem grandes ambições além de ir a Aparecida, trabalhar, ter uma familia, e se sobrasse, talvez o Vaticano.Vinha do interior da cidade e trazia aquele ar calmo e parcimônio dos camponeses dispondo-se sempre a ajudar no que fosse possivel.
Pararam pra comprar bergamota fincada num pau.
Faltava ainda um terço do caminho e Urso achou que o carro devia descansar, pararam num posto e Jaqueline inventou que queria comer um pamonha, aliás até agora só quem tinha comido era ela.
--Gente, eu fico ansiosa-- alegava
--Tá Jaque, mas depois tu fica enjoada.
--Eu sei Zé, mas eu fico nervosa, então me dá um cigarro.
--Negativo, tu já gastou uma grana em Niquitin, agora segura tua onda que tá passando a vontade...olha a pamonha...
O bar do posto não era propriamente daqueles que tem foto do fiscal sanitarista numa moldura na parede, e bastou Jaque conhecer ao vivo e a cores o tal "rolimops" que a vontade de comer pamonha passou, tudo passou na verdade, inclusive o Valdir passou mal, depois de comer uma linguiça frita com maionese não-de-sache na lancheria dos rolimops.

Em tempo, "rolimops" são peixes pequenos(que eu nao lembro o nome) espetados limpos e crus em uma vareta igual as de churrasquinho e que são imersas em vinagre, agua e sal, pickles de peixe, em miudos.E Valdir é o ser sinistro que estava sentado do lado do Zé, no carro durante toda a viagem.Rapazinho dos seus 1,95m, de bom coração, mas reconhecida e aceitadamente esquisito, talvez fosse o tamanho.Mas no fim das contas um bom sujeito, mas vomitou nos pés do Zé, e quase escorreu pro banco de Jaque.
--Aiiiiim Zé... que nojo!!!
--Calma Jaque, calma, não olha pra baixo
--Ei Xaque, levanta tu sandaliña, levanta levanta-dizia o Urso enquanto dirigia e ria discretamente da situação.
--Zé, diz pra ele párar esse carro, aiiiii, tá escorrendo ZéééÉÉ!!!
Pararam numa barraquinha de tarrafas e cestas de indios.Enquanto Zé acudia Jaque, Valdir fumava compulsivamente enquanto taomava uma agua tonica morna e ainda rindo de Urso que tinha apertado os dedos no capô do carro.
--Vá a merda Valdir, se no soy eu para olhar esse carro, tamos fudidos--Valdir ria.
Meia hora depois, todos recuperados, até o carpete, foram embora, e já tinha gente querendo fazer o retorno na rodovia.
--Mas agora tá pertinho--Zé, conciliador como sempre.
--Arrã, eu tô louca de vontade de ir no banheiro,Zé.
--Péra Jaque, falta pouquinho.
--(suspiro e bico).
Já faziam alguns minutos que James Brow tinha parado de tocar no rádio analogico do carro, buscavam atentos os nomes das ruas.Anoiteceu.Urso tinha trazido uma fita que entoava entre o metalico e o grave da bateria:


"Restless soul, enjoy your youth
Like Muhammad hits the truth"
Adoravam Pearl Jam
Chegaram na pizzaria.Combinados os pormenores entre Zé e o Urso, foram pra tal casa.
--Ela era graciosa, em 1817-- disse o Valdir.
Ficaram tão estarrecidos, não pelo comentário, mas pelo fato de que ele abrira a boca que nem deram muita importância a aparencia do chalé praiano em que foram se enfiar.E nem deram importancia pro chuveiro frio, nem pros talheres desparceirados e nem pras lampadas queimadas.
--Ah não Zé!Perereca no banheiro não dá.Banho frio ainda tudo bem, mas esses bichos não,não vou tomar banho com elas me olhando.
--Benzinho, elas não fazem nada.
--E se pula, aiiii ZééÉÉ.
--Tá Jaqueline.Saí daí que eu vou tirar elas.Sério.
--Tá, joga elas lá fora tá?!Aiim Coração, cuidadinho pra não machucar ela!
Medo de insetos, anfibios, quadrupedes e sacis, ela era assim.Que gracinha, ele dizia.Mas Jaqueline era emotiva, não gostava que maltratassem os animais, só aranhas, essas sim.Dizia:
--Coração, se tu vais no mercado, traz um requeijão, uma cartela de activia e 2 SBP's.
No outro dia, souberam que o movimento ainda ia demorar e que enquanto isso, eles teriam que receber um pouco menos do que o combinado até lá, iam ter que ajudar em umas "pequenas reformas" e tomar conta dos cachorros que moravam no pátio dos fundos.
--E cuidem pra não fazer muito barulho a noite porque a vizinhança ali é bem sossegada e costuma reclamar de barulho.
Urso olhou pra Jaque que olhou pra Zé que olhou pra Valdir que então, olhou pro sujeito dono da pizzaria e indagou:
--Que tipo de barulho?
--Ah, tipo ligar o carro depois das 11, por ai, cozinhar, ficar batendo papo na frente da casa, essas coisas...
No caminho pra casa, Valdir resmungou:
--Não tenho carro mesmo.Mas não cozinhar de noite é o fim!
Nas duas semanas que se passaram desde então, o chuveiro continuava frio, Jaque não falhou o SBP e o Activia nem um dia, Zé continuou tomando cervejinha "depois do expediente", Urso continou desfilando de carro pela beira-mar enquanto Valdir dormia e comia miojo, ás 3:17 da manhã religiosamente.E o dinheiro foi-se escoando, e o dinheiro não veio como o combinado.
--Pois é gente, tá meio complicado, a prefeitura tá meio que complicando, e é, tá complicado, eu até vou dispensar vocês ai, porque não to confiante que consigo abrir antes da temporada.
Dois dias pro acerto e ficaram em casa pensando em o que fazer quando voltassem pra casa.
--Fudeu Urso, tô so com 3 fardinhos de miojo e um pouco de dinheiro no banco, e eu ainda tenho que mandar dinheiro pro meu tio pra ele pagar a cerca da minha vizinha que ela disse que o Bruce destruiu.Vê se pode?! -- Bruce era o dogue alemão retardado do Valdir, embora eles desconfiassem que era o Bruce na verdade que tirava o lixo e varria a casa deles e não era de admirar que dissessem que ele destruiu uma pet-shop ou comido umas aposentadas de bengala por ai.
--Olha Valdir, tu não pensa que eu tô nadando em dinheiro, fui olhar hoje e tô só com o dinheiro que meu irmão me deu pra mandar um sundboard pra ele.
--Beleza, pelo menos dá pra comprar umas vodkas hoje ainda.
--Tá louco Valdir!
--Ai Ursooo.Onde é que tem duna na tua casa, Urso?!Depois tu devolve o dinheiro pro teu irmão, vamos comprar umas conchas diferentes pra levar, uns polenguinhos, tá, ir comer no centro!
--Jaque, que que tu fumou?Não vai rolar.(*)Bom,Se, mas só se, eu gastar esse dinheiro, eu quero não pagar a minha parte no combustivel de ida e volta que tu passou no teu cartão .
--Beleza Allan!Zé, quanto vai dar será o combustivel todo?
--Mais que um sundboard, Benzinho.
Compraram massa de pastel, 1 duzia duzia de cervejas, rum, energetico e coca-cola ao invés do sundboard.
--Coraçãããum...me dá um beijoooow?
--Jaque, eu to olhando ele pesar a carne moida.
--Tá.Me dá um beijoooow?
--Péra Jaque...
--1330 tá bom chefe?
--Não não, tira um pouco, umas 800 só.
--Zé Otávio.Tu não é mais como antigamente, prefere ficar ai com essa coisa de pai no domingo de manhã, comprando o churrasco do meio dia do que me dar um beijo.
--Benzinho, vamos ver onde tem pastelina?
Foi assim: o Urso dividiu o dinheiro em partes iguais pra todos, alguns entraram no racha do pastel e da coca-con-run-on-redbull.Ou melhor, só Valdir preferiu comprar Campo Largo Branco Suave e...miojo.
Apesar das diferenças de cardapio, comeram todos juntos aquela noite e se recolheram tambem com pouca diferença de tempo, pretendia-se acordar cedo e pegar a estrada...

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