quinta-feira, 2 de julho de 2009

1995 - Chapter II

...e quando a noite engolia a ultima rajada de sol, e as nuvens cumpriam sua dança dos ventos galácticos, sentavamo-nos a beira de um fogão, triste, encarvoado e quente.Quente como o sangue que corre nas veias, as labaredas bailavam ritmadas diante dos nossos olhos, e a fumaça ardia em nossas narinas, mas ainda assim, a batalha interna era travada num tempo remoto onde não havia espaço para televisões ou quaisquer tipo de entretenimento senão o silêncio.
Ainda assim, como num inquestionável arroubo de cumplicidade, partilhavamos a sopa, o pão, o queijo e a dor.A dor de saber que num piscar de olhos, nossa vida tinha mudado, e junto com ela mudamos nós.
Mudamos, aos poucos, os carrinhos de supermercado foram substituidos por cestas, mais sutilmente, não percebemos quando as roupas que usávamos passaram a ser trocadas entre parentes, quando já não serviam a um ou a outro, ou a outros, e tão abruptamente nos demos conta de que aquela vida, passava ao status de vida dos sonhos, a vida desejada, a vida que tivemos e que hoje almejamos.
Fazei-me companhia, açoita-cavalo.Rogo para que de bom coração deixe-me apoiar meus lamentos em teus galhos, e peço-lhe encarecidamente para que em tuas folhas deixe pousar sobre a terra também meus sofrimentos.E que em tuas flores, pequeninas e arroxeadas com pendões amarelos, destoe também cada sorriso e cada lembrança que levarei deste lugar, se um dia conseguir sair dele, levo comigo o cheiro da tua casca, uma folha guardada no livro da minha vida serás tu, açoita-cavalo, que tão nobremente escutou as minhas mágoas.
A ti, minha não tão adorada jasmim manga, tão frágil és com tuas ramadas, de madeira podre e carunchada, que não serve nem servirá jamais para nada, desejo que continues a espalhar teu aroma doce pelos campos da Taquara, e que tuas flores de cinco pétalas sigam atapetando nosso gramado, e que das tuas folhas, ainda se sirvam os bem-te-vis para fazer sua morada.
Amo-te taquareira, amo-te por ter sido minha fiel companheira ao me ceder bastões para espantar cobras campo afora, por ter participado de cada pescaria, cada empreitada, quando em botas de borracha cruzamos este chão, com latas de minhocas e minhocas na cabeça de que algum dia aqui seria a nossa casa.Obrigado pela companhia, em especial as do fundo do pomar, que muito me viram chorar.Obrigado, por em dias de ventania, chacoalharem animadas, antevendo a tempestade que estava por chegar, e sem qualquer embargo, mais pareciam um teclado, com seus ramos a atritar.
Obrigado a ti pomar, donde pêssegos, bergamotas, laranjas e caquis passei as tardes a catar, sei que és no minimo quatro vezes mais velho que eu, te respeito por isso, mas entendas, temos que te podar. E dói ver teus ramos caindo vencidos, tanto quanto dói ter os ombros, braços e pernas ardidos do sol que nos castiga a cada dia nessa terra, terra da qual te alimentas, alimentamo-nos nós e que esperamos que algum dia nos venha a amar.
Ah, açude da frente da casa, de ti não posso me queixar, nem tampouco me gabar, acredite.Ficaste o tempo todo aí, nesse ciclo sem graça, como uma acácia que morreu e esqueceu de cair por terra, foste tu na minha vida.Não pude me banhar, eras ninho de sanguessugas, aos cavalos tudo bem, mas eu queria esse contato, e tu nunca me ofereceu.Pudera, de águas turvas, rasas e tomadas de aguapés, duvido mesmo que o Zezé, fresco do jeito que é, tenha um dia mergulhado no teu barro.Nunca me esqueço da tarde em que quatro cavaleiros, atravessaram teus dominios, com quatro laços tensos, sobre as aspas de um búfalo, sim!Sim!Sim! Me lembro de cada minuto desse triste embate, onde os cavalos cansados cheiravam o sangue do animal, que derrotado baixou a guarda, caindo por sobre a marca que o arado tinha deixado às margens da tua singela taipa.
Ô Deus, corrija-me se estiver errado, mas recordo daquele tempo, onde ter colhões era acordar de madrugada, para ajudar o meu pai a engatar o arado, a globe e o reboque, e rumar para a lavoura, quando os galos ainda sonhavam com haréns de frangas da Doux.Corrija-me e castiga-me se minto em meu relato, quando naquelas tardes, de fato, sujo, cansado e com fome, seguia sentado ao lado do meu pai, naquele trator pipoquento, que chamavamos de Frederico, que com suas milesseissentas cilindradas feria a grama, estrangulava os cupinzeiros e levantava a poeira, e eu ria, ria de vingança daquela terra.E ria do poder que tinhamos sobre ela, com aqueles dois discos de aço, cortavamos a derme, fazendo-a sentir o peso dos pneus magrelos daquela máquina estranha onde minhas horas pareciam não passar.Prazer.
Deus, do Céu, de onde for, diz pra eles, mostra que valor, hombridade, caráter, raça, não se encontra no WallMart, não chega pelo Correio, não se encomenda no E-Bay, diz pra eles...Diga também que tudo que passamos, foi porque fazia parte de nossa essência, estava em nós, e que mesmo que catastróficamente não tenhamos logrado nossos objetivos, agradeço àquele lugar mesquinho, por cada minuto que roubou da minha infância.












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Segue no próximo post....






2 comentários:

Guilg7 disse...

nossa...q forte esse post kra....senti uma fmz incrivel...

http://lg7fortalezace.blogspot.com/

vlw

Paula disse...

Mais um capítulo da tua história ...
Aquela que conheço porém, não tão cheia de detalhes assim.
Olha, sei que às vezes algumas lembranças difíceis se sobressaem mais que as fáceis ... mas é com elas que aprendemos e nos tornamos pessoas melhores.
Foi por ter vivido isso e todo o resto que sabemos, e todo resto que vc melhor do que ninguém sabe, que hj és essa pessoa maravilhosa que conquistou meu carinho e meu respeito.
Admiro muito você, por isso e por todo resto.
Quero mais capítulos dessa hitória viu?! ... quero a história completa ... até que chegue a que eu conheço muito bem ... a história daquele final de semana ... daquela tal doida que ligou sem saber onde estava... daquela tal kombi ... aquela, lembra??? será que lembra??? shuashuashu.
Ei, gdvc!!! =P
Mdbj Mjl!!!

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