terça-feira, 30 de junho de 2009

1992

Ahhnn Deus...
Estou nostálgico...
Outubro 1992:
Com a função toda do Collor, minha vida mudou...
Brasildocks falida...Pirelli revendo seus conceitos e sua folha de empregados...
Meu pai foi tomar conta da fazenda da familia, em Eldorado do Sul, e definitivamente foi uma grande burrada e tambem a experiencia mais fantastica que tive na vida!
Sem carro, com garoa, frio, atravessamos os 2 Km de estrada particular da fazenda para chegar a "sede", abandonada ha uns 10 anos pelo energúmeno do meu tio-avô, que inclusive deixou que tudo que o pai dele construiu a duras penas, ser tomado pelo banco ou carcomido pelo tempo.
Vacas dormindo na varanda, bancos de folhas podres, cercas nem sinal, mato, musgo, goteiras, ratos, cobras, sujeira, pilhas de telhas, centenas delas, galhos de jacarandá pelo jardim, ferrugem, porteiras caídas, mato, muito mato.
Nunca esqueço da primeira noite, em volta de um fogão de campanha, uma massa gosmenta e sem gosto, esquálida numa panela enegrecida pelo fogo, e nunca esqueço que dormiamos numa barraca dentro de casa, tal era a sujeira e a decrepitude do lugar.
Nos ombros carregamos muitos moirões para erguer cercas ao redor do jardim, e com vassouras de carqueja o redor da casa era varrido, as telhas foram empilhadas e os gaviões e chimangos observavam de longe nossa obstinação.
E os galhos de jacarandá foram recolhidos, e a timbauva agradeceu nossa presença, e as cercas ganharam arames, ferruginosos e emendados, mas de que de bom grado aceitaram seu novo proposito e as vacas à beira do açude não acreditavam que nossa jornada fosse resistir as intempéries...
E água potável era um luxo que nao teriamos se nao caminhassemos 400 metros de morro para trazer com sofreguidão pequenos tarros contendo alguns litros dela, e o faziamos com intensidade porque algo estava sendo feito e no caminho, cortavamos uma taquara para apoiar-nos na subida de volta pra casa enquanto o quero-quero solitário desconfiava da nossa presença...
O velho Dogde com suas portas caídas e seus faróis tristes, que morava embaixo da figueira nos saúdava a cada chegada, e a casa parecia cada dia mais habitada, e os cavalos já sabiam que as 18 horas milho lhes seria dado, em troca de todo o apoio e cumplicidade que nos proporcionaram e sabiam também que estavamos dispostos a fazer deles nossos fieis amigos e assim foi, embora as caturritas que moravam no pau-ferro rissem ironicamente quando passavamos com pás e enxadas rumo a pequena lavoura de subsistencia...
Caminhamos 10 km para comprar com notas de real um trator, o Frederico, uma grande engenhoca, feita pelo cara que em 1995 se tornou nosso vizinho, uma plataforma de Zetor com motor de Fusca 1.6 movido a gás... é, é comico, mas era o que o dinheiro comprava, e nossos ombros agradeciam e as pernas glorificaram a invenção do Joice...E o Fred era vermelho desbotado e arava, puxava reboque, fedia a gás e tinha um adesivo do Rio Grande na lateral direita.Piquetes se formaram e uma lavoura timida, de terra vermelha criou-se atrás das taquareiras, com um eucalipto enorme num dos flancos, onde depois seriam colocadas as caixas de abelha, que muitos anos depois nos atacaram...e que muitos anos depois, apodreceram...
Até um escarificador nós engenhocamos, e eu ia sentado em cima para fazer peso "morto", e muitas foram as voltas de trator ao redor da pequena lavoura, que depois virou aveia, que virou azeven que virou mato.E ao cair da noite viamos de longe, da porteira agora com dobradiças novas a tênue claridade do lampião, Yanes.E a pia tinha um balde por debaixo para recolher a agua da louça para usar no banheiro, e a agua do banho era aquecida pelo fogão a lenha, e o mais proximo de eletricidade que tinhamos eram pilhas AA, Rayovac.
Da garagem, onde vovô guardava coisas de garagem, abrimos as janelas e o fedor do abandono, a nuvem do descaso e o bolor azul dos pneus do International se desfizeram numa lufada de vento com o cheiro da resina da timbaúva...E do galpão jogamos as ferramentarias carcomidas para fora, deixando as pulgas e ratos mais a vontade em seu habitat--ato continuo, passo a mão nas pernas, sou alergico a pulgas-- das enxadas, pás, cavadeiras, valeram 0,07 centavos o quilo...
Em outonos, bergamoteiras faziam minha festa, os poucos pessegueiros no verão, as nozes no inverno, e as amoras um inferno, de tao miudas e escassas.20 metros foi o preço da agua potável, 20 metros, 20,40,60,80,160,320, voltas na manivela até a lata de agua nos chegar as retinas, límpida, gélida e com um gosto de metal e terra, mas o gosto era não ter que caminhar morro abaixo/acima para trazer uns poucos litros de uma outra agua, com gosto de suor e resignação.
Dormia-se cedo, acordava-se com os raios de sol que trespassavam as janelas de vidro canelado, com os gritos dos marrecos, com o galo cantando, com as folhas do açoita-cavalo acariciando as telhas da casa e acordava-se com sede.
Sede de abrir buracos, de varrer, de criar, de aparar, de arar, plantar, colher.
E os cavalos já sabiam que as 7 da manhã havia milho para eles e que em seguida, sairiamos ea campo dividindo nosso espaço com gravatás e perdizes, encarando o gado corajoso e hostil que era, procurando formas de dar vida àquilo tudo, e não foram poucas as vezes que atoleiros, touros e marimbondos nos "dissuadiram" da proposta inicial, por mais simples que fosse.Ouvia assim:
--Primeiro o buçal, depois o freio.Agora xergão,carona, basto, barrigueira,aperta bem(nó dificil), pelego,pelego, barrigueira, aperta bem(nó fácil)...e monta sempre pela esquerda...
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Sigo no proximo post...

2 comentários:

Luciana Vargas disse...

Leio com os olhos cheios de lágrimas..
e continuo ansiosa pela continuação..
Bjoo bjooo

Aimée Souto. disse...

meu deus do céu!
:x
continua a história :x
(eu já caí do cavalo direto :x monta de um lado, cai do outro :D)
;*

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